Pneus arriados em Arriaba


Meu povo querido da garupa, quando achava que nossa aventura já estava do encerramento para o fim, e que dentro de cinco dias estaríamos tomando um vinho e fumando o charuto que comprei na região do Mar do Caribe para comemorar a conquista, já acomodados em Nova Orleans, e ainda curtindo ao ver Hans no colo de sua amada, porém, nessa auto-estrada muito boa do México, onde andávamos a 120 km/h, me sentindo quase vitorioso, arriscando ate um grito de desabafo tipo: “Yuruuuuu!”... por chegar ate aqui nessa aventura, que como dizem os “Fazedores de Chuva”, “todos podem fazer, mas poucos fazem”, e só agora entendo direito essa frase, pois definitivamente não é fácil e se trata de coisa pra “macho”, foi ai que a nossa boa sorte, nos apronta mais uma de suas travessuras, pra adiar em três dias ou mais nossa jornada.

Após andarmos 100 km da fronteira com a Guatemala, parando em uma gasolineira para abastecer e tomar uma agua, um curioso nativo, mandado também por nossa “Boa Sorte”, nos fez tardiamente confirmar que o pneu traseiro da minha “Negona”, estava na lona.

Assim como aconteceu com Gold Wing, perto de Sobral no Ceará, nos observávamos sempre o pneu dianteiro, por ser mais fácil de ver, e esquecíamo-nos do traseiro, que esta sob para-lamas fechados, e alforjes laterais camufladores, e que por serem o pneu da tração e suportar mais peso, consequentemente gastam-se mais rápidos, e como baseávamos no dianteiro, que apresentava mais de meia vida ainda por rodar, fomos surpreendidos novamente por nossa inexperiência e comodismo.

Restava-nos fazer como no Ceará, ir devagar para trás ate “Tapachulla” a 100 km, ou para frente ate “Arriaba” a 180 km, no ímpeto de seguir sempre adiante, cometemos nossa segunda falha, pois mesmo com muito cuidado, e andando a 80 km/h, depois de andarmos mais de 100 km, e faltando 50 km pra nosso destino previsto, escutei um tiro perfeito e vi minha Boulevard arriar a traseira “cansada de guerra”.

Hans parte velozmente pra ir buscar socorro e o velho violeiro aqui, depois de fazer um “xixizinho” aguando as relvas verdes, dos campos de “Pacho Villa”, conformadamente pego minhas câmeras, registro tudo e olhando em volta, torcendo pra encontrar uma casa onde pudesse tomar pelo menos uma agua, pois estávamos ate àquela hora, que já se passavam das 17:00hs, somente com o café da manhã, avistei a uns 100 metros o meu oásis.

Dessa vez não gritei como em Roraima o prefixo nordestino pra me receberem sem medo, mas ao ver um senhor sem camisa, e com o bigodinho tradicional dos “Muchachos comedores de tortillas”, sair de dentro da casa meio desconfiado, olhando meio de lado a figura do “Zorro Tupiniquim”, com suas roupas pretas de couro, já gritei de longe apontando pra entrada: - “Com su permisso”, quando o vi abrir um sorriso acolhedor e responder: “Bienvenido”.

Não só fui “bienvenido”, como folgado que sou, quando me permitem, folgado que nem colarinho de palhaço, fui pedindo agua, tirando fotos, contando historias, sentando na rede, conhecendo o genro do Senhor “Álvaro”, que era meu anfitrião, sua mulher, filhas, netos, duas ovelhas e um carneiro, um cachorrinho muito chato de nome “Lupe”, que não parava de latir no meu pé, fui mostrando fotos, vídeos de minhas canções em meu lap top, e depois de me ajudarem a empurrar a moto para frente da casa eu os ajudei a alimentar os porquinhos no chiqueiro lamacento e fedido. Mas todo mundo feliz e íntimos.

Enquanto curtia a rotina e o estilo da vida de uma família típica mexicana, vi um carro parar na frente da casinha do Sr. Álvaro, e descer um rapaz de nome “Ulisses”, que ao ver minha moto parada na estrada, voltou pra ver se eu precisava de algum socorro, pois se tratava de um componente de um moto clube da cidade de “Tuxtla”, e que deixou seus contatos, dizendo que se não encontrássemos o pneu, e precisássemos de sua ajuda, nos traria um pneu usado, da moto de um de seus parceiros, para podermos chegar onde encontrássemos um novo. Anotou as medidas do pneu da Boulevard, trocamos endereços e cordialidades dessa “Tribo Fraterna do Motociclistas”, e seguiu viagem.

Pouco mais de três horas depois, já noite escura e sozinho, sentado em uma cadeira emprestada por Sr. Álvaro, na beira da estrada, de olho na chegada de meu parceiro, avistei as luzes giratórias de um caminhão guincho e logo adivinhei que seriam as luzes do final desse túnel que me encontrava.

Nossa senhora de Guadalupe”, com olhar benevolente e sereno, me acolhia do adesivo no vidro traseiro do caminhão, quando iluminada pelo farol da Boulevard, que “mancando”, subia a rampa inclinada da carroceria do reboque, e sentado ali em cima, junto com um ajudante também de nome “Álvaro”, mais sujo, mais suado, fedido, mas certamente não mais com fome que eu, fomos viajando, tendo acima de nos um céu nublado, e a companhia de uma lua crescente, tímida mas muito bonita em seu leito negro de nuvens carregadas, da minha primeira noite mexicana. Hans seguia na frente junto com o motorista com cara de bravo, malvado e preocupado.

Já considerando tudo parcialmente resolvido, e torcendo pra encontramos logo, um pneu nas cidades vizinhas, de repente o caminhão para, e somos abordados pelo exercito mexicano que nos dá aquele “baculejo”, me fazendo abrir toda bagagem da moto e conferindo os documentos.

A fome apertava cada vez mais, quando chegamos e entramos em Arriaba, e fomos direto pra uma oficina onde Hans tinha encontrado apoio, o contato do Guincho e a promessa de nos auxiliarem no dia seguinte a encontrar o pneu, e ainda nos levaria a um hotel em sua caminhonete, que na saída, onde já me encontrava sentado dentro, finalmente achando que iria tomar meu banho e comer algo, o “Cucaracha”, grita aos amigos na oficina sorridente: “no tengo Luz”, lá se vão eles com caixas de ferramentas e lanternas, abrir o capo da caminhonete velha, e fazer a famosa gambiarra nos faróis apagados não no “jeitinho brasileiro”, mas no igual “jeitinho Mexicano”. Hans em sua moto atrás, esperando também pra sermos conduzidos ate um hotel.

Finalmente andando nas ruas animadas dessa cidadezinha, passando por um parquinho daqueles de interior com roda gigante, carrossel e barraquinhas apinhadas de gente, cidade essa que Hans esteve em 1957, quando fez uma viagem também em caminhonete, de Nova Orleans ate a Costa Rica, e nesse lugar acabavam as estradas e ele teve que colocar seu veiculo no trem de ferro (Ferro Carrill), ate a Guatemala.

Hans nos seguia atrás, e finalmente iriamos descansar depois das tantas e fortes emoções do dia e da noite. De repente o nosso guia olha pra trás e diz que meu amigo havia virado em outra rua seguindo outra caminhonete, pronto, Hans havia se perdido, lá estávamo-nos, rodando o centro da cidade atrás de uma Gold Wing perdida.

Depois de alguns minutos desistimos e resolvemos voltar à oficina, pois lembrei que Hans havia pegado um cartão com endereço e fones do lugar, e quando chegamos, a esposa do nosso amigo dizia que ele estava em um hotel nos esperando.

Era uma quinta feira de noite, e nesse hotel estamos ate hoje domingo, esperando o pneu que encomendamos da Capital, e que dizem que chagará amanhã, e quem sabe partiremos logo que o montarmos, e esperando que a “Boa Sorte”, continue nos brindando com aventuras, emoções e alguns sustos sem nos causar danos sérios e comprometedores.

Só uma coisa me incomodou nessa historia toda, no final da viagem, Hans terá percorrido 50 km a mais que eu nessa conquista...

Quer dizer 30.000 km a mais...

Ou melhor 750.000 km a mais que é o que ele tem em seu currículo...

Quer saber, perto dele, “eu sou um bostinha mesmo”...

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